Após dois meses de confinamento parece que, finalmente, começamos a ver a luz ao fundo do túnel. As restrições e o confinamento começam a abrandar, permitindo-nos em determinados horários sair, inclusive para praticar exercício físico ao ar livre. Sabes como é feito o regresso aos treinos, por exemplo, no futebol?
Parece que as competições profissionais pretendem retomar a sua atividade após quase 8 semanas de paragem. No entanto, as competições inferiores (de 2ªB para baixo) não voltarão a competir, a priori, até à próxima temporada (sem datas ainda confirmadas).
Índice
Um jogador de futebol com falta de treino
O organismo, após um longo período de inatividade, entra num estado de falta de treino. Mujika e Padilla em 2001 definiram a falta de treino como a perda parcial ou total das adaptações fisiológicas, anatómicas e do desempenho conseguido com o treino e como uma consequência da redução ou suspensão do processo de treino.
Uma das principais consequências desta falta de treino será a redução da capacidade cardiorrespiratória, que se manifestará como uma diminuição da resistência e um aumento de a frequência cardíaca para a mesma atividade relativamente aos valores que tínhamos antes da paragem.
Os clubes profissionais de futebol já regressaram aos treinos de forma individual e com as condições de segurança e higiene.
E em que condições musculares chegam?
Outro dos principais efeitos da falta de treino será nas nossas estruturas mecânicas, como o são os músculos, tendões e ligamentos.
A prova científica mostra-nos uma diminuição tanto no tamanho dos músculos como na composição e propriedades dos mesmos após um período de falta de treino. A musculatura treinada, habituada a receber estímulos de uma certa dimensão, pode ficar atrofiada se estes estímulos pararem e deixarem de ter a necessidade de produzir os níveis de força a que está habituado após X semanas de inatividade. (Ronconi & Alvero-Cruz, 2008)
Tão importante ou mais do que os nossos músculos são os tendões, cujas propriedades mecânicas tendem a diminuir após um período de inatividade.
No entanto, não é o tamanho dos nossos músculos a única coisa que devemos ter em conta. Talvez, o mais importante que devemos considerar seja a perda das capacidades neuromusculares que se verificaram após um período de falta de treino (Rejc et al, 2018).
Estas capacidades neuromusculares traduzem-se na produção de força por parte dos nossos músculos, tanto na quantidade que conseguimos produzir, como o tempo que investimos aí.
Por isso, tanto a nossa força como a nossa velocidade e energia serão reduzidas quando regressarmos ao relvado.
Gráfico 1. Energia Explosiva Máxima (A) e Energia Explosiva Máxima Específica Reto Femoral do Quadríceps (B) realizada antes de um período de inatividade (PRE-BR), após o período de inatividade (POST-BR) e após 14 dias de regresso aos treinos (R+14).
Como é que deves regressar aos treinos?
Por tudo o que foi exposto anteriormente é totalmente necessário regressar à atividade física com cuidado e de forma muito gradual, uma vez que as nossas estruturas e capacidades estão muito longe de ser aquelas que costumávamos ter antes da paragem, apesar de a maioria ter estado a treinar em casa para evitar estas perdas.
Se é bem verdade que o treino em casa é absolutamente necessário para colmatar esta perda de capacidades que referimos, devemos ter consciência de que, embora tenhamos conseguido reduzir a dimensão da perda de massa muscular, capacidade cardiorrespiratória ou força neuromuscular, as atividades que estivemos a realizar estão muito longe de ser semelhantes àquelas que costumamos realizar no relvado.
Quando é que voltaremos a ver treinos em grupo ou pré-épocas em grupo no mundo do futebol?
Treino gradual
O que é que pretendo dizer com tudo o que foi exposto anteriormente?
Precisamente, a minha intenção é que entendas que, por mais trabalho de força que se tenha realizado em casa, por mais quilómetros que tenhas corrido na passadeira ou qualquer exercício semelhante, as tuas estruturas não estão preparadas para regressar ao futebol imediatamente.
Porque o futebol é considerado, segundo as suas exigências físicas, um desporto intermitente e com grandes exigências tanto de acelerações como de desacelerações (Newans et al., 2019). Com isto, teremos de voltar a treinar as nossas estruturas relativamente a estas caraterísticas específicas do futebol, como são as mudanças de direção, acelerações, desacelerações, saltos e golpes, principalmente.
Por isso, para regressar à competição em futebol de forma segura e eficaz, é condição indispensável realizar um período de treino gradual, que vá do mais geral (como corrida, trabalho de força, condução de bola e passe) para o mais específico. Introduzindo gradualmente ações cada vez mais específicas e exigentes do futebol, como acelerações, saltos, mudança de direção e rematar à baliza.
Devemos ter em conta que, no futebol profissional, os períodos transitórios de verão duram cerca de 4 a 6 semanas, e os períodos de regresso aos treinos para a competição (as famosas pré-épocas) são realizados durante cerca de 8 semanas antes de voltar à competição.
Tendo em conta as diferenças de condição entre os jogadores de futebol profissionais e os amadores, e tendo em conta que o período sem jogar futebol será muito superior a 4-6 semanas, torna-se evidente a necessidade de realizar um período de treino muito mais longo e gradual para evitar as lesões e poder voltar a desfrutar daquilo que nos faz tão felizes.
Referências Bibliográficas
- Mujika I, Padilla S. (2001b). Cardiorespiratory and metabolic charasteristics of detraining in humans. Med Sci Sports Exerc , (33), 1297-1303.
- Newans, T., Bellinger, P., Dodd, K., & Minahan, C. (2019). Modelling the Acceleration and Deceleration Profile of Elite-level Soccer Players. International journal of sports medicine, 40(05), 331-335.
- Ronconi, M., & Alvero-Cruz, J. R. (2008). Cambios fisiológicos debidos al desentrenamiento. Apunts. Medicina de l’Esport, 43(160), 192-198.
- Sarto, F., Impellizzeri, F. M., Spörri, J., Porcelli, S., Olmo, J., Requena, B., … Franchi, M. V. (2020, April 21). Impact of potential physiological changes due to COVID-19 home confinement on athlete health protection in elite sports: a call for awareness in sports programming.
- Rejc E, et al. (2018). Loss of maximal explosive power of lower limbs after 2weeks of disuse and incomplete recovery after retraining in older adults. J Physiol. Feb 15;596(4):647-65.
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