No meu último artigo, onde analisámos as necessidades fisiológicas dos jogadores de basquetebol que apresentam um elevado rendimento, deixei claro a importância de um bom desenvolvimento da massa muscular e, portanto, da força. Se não o leste, incentivo-te a que o faças fazendo click aqui. Hoje vou falar acerca das Sessões de Ginásio no Basquetebol e por que motivo são importantes.
Tanto a massa muscular como a força podem trabalhar-se no próprio terreno de jogo, mas quando procuramos uma melhoria mais acentuada é normalmente a partir de um certo nível de rendimento onde estes detalhes já marcam uma diferença significativa; é agora mais importante prestar atenção às sessões de treino no ginásio.
Figura I. Modelo proposto de Hierarquia das capacidades físicas básicas e das capacidades físicas facilitadoras (Tous, 2007).
No entanto, faz pouco sentido destinar uma fração importante de tempo de treino a isto num cadete que está a jogar há três anos. Em princípio não sabe bater a bola sem olhar para ela, não será capaz de reagir a estímulos defensivos numa situação de ataque, ou simplesmente não compreenderá em profundidade os princípios do jogo e vai cometer erros técnico-táticos.
Portanto, podemos chegar à conclusão de que existem prioridades.
Índice
É importante trabalhar a força num jogador de basquetebol?
Sim, sem dúvida. Os seus benefícios podem ser tanto diretos como indiretos.
Quando se publicou a foto comparativa do físico de Giannins Antetokounmpo depois de passarem quatro anos, as redes estalaram: Tinha deixado o basquetebol e tinha-se agora dedicado ao culturismo?
Figura II. Transformação física de Antetokounmpo.
A verdade é que… não. E o seu rendimento melhorou exponencialmente.
Mas, contudo, não é um caso isolado. Lebron James ou James Harden transformaram o seu físico em alguns anos depois de terem chegado à NBA. A razão? Simples exigências para alcançar o máximo rendimento que o seu potencial permitia.
Figura III. Transformação física de Lebron James.
Figura IV. Transformação física de James Harden.
Devemos compreender uma coisa: o basquetebol não é um desporto onde a massa muscular tenha um impacto direto sobre a base do rendimento, nem na força muscular.
Podes ser tão forte quanto quiseres, mas se não és capaz de manter a bola em jogo, realizar câmbios de velocidade, ter uma boa visão de jogo em equipa e ocupar espaços, ou perceber as alterações de posição, não serás um bom jogador.
Conceitos gerais
A planificação do treino é um processo multi-fatores.
Os treinadores formam-se durante anos para poder planificar a preparação física de uma temporada com precisão. Pelo que é um pouco irreal que consiga neste artigo transmitir todos as variáveis para controlar e poder planificar a preparação física de uma temporada.
Pretendo simplesmente centrar-me na necessidade de compreender os conceitos de desenvolvimento geral e desenvolvimento específico da força.
- Desenvolvimento geral: Podemos definir este conceito de treino como a realização de exercícios destinados a submeter o tecido muscular à tensão. Estes exercícios não têm de estar diretamente relacionados com a atividade a desenvolver. Vamos dar um exemplo.
Sou um jogador de basquetebol que quer saltar mais -> Faço uma extensão de joelhos em máquina.
Muitos treinadores vão dizer-me que isso não serve para nada. Bom, enganam-se, já que a massa muscular mostra uma correlação positiva com a força muscular, e isto é mais relevante em indivíduos treinados do que em não treinados (Jones et al., 2016).Chegando a mostrar uma determinação de 0,96 (quase perfeita: mais massa magra, mais força).
Figura V. Correlação entre peso corporal e kg levantados nos 3 movimentos competitivos de powerlifting (Jones et al., 2016)
- Desenvolvimento específico: o objetivo do treino consiste em submeter o tecido muscular à tensão através da execução de exercícios com condições improváveis às exigências no gesto desportivo.
Figura VI. Comparação da posição corporal de um jogador num corpo-a-corpo e num empurrão de trenó.
O exemplo mais claro é o empurrão de trenó e a sua transferência à jogada de corpo-a-corpo no rugby.
Na frase anterior, escapou-se-me a palavra chave… transferência.
Por exemplo, antes de empurrar o trenó, um jogador de rugby pode desenvolver a força através de uma hack inversa, e antes de isso, através de um agachamento overhead; e antes através de um agachamento frontal…
Figura VII. Representação visual de uma progressão técnica simples para a transferência ao gesto de empurrar num corpo-a-corpo.
… E através de um agachamento traseiro, um agachamento à caixa, uma prensa…
Pode simplificar-se tudo o que queremos e, quanto mais nos afastamos do gesto competitivo, mais geral se torna o exercício, menos transferência direta tem o gesto e menos o vamos aproveitar.
Como devemos orientar então o treino?
Do mais geral ao mais específico.
Nisso estão baseados de facto quase todos os sistemas de periodização. Desde os modelos de periodização mais tradicionais de Matveev, passando por Bompa, Verkhoshansky e Issurin; até modelos de periodização mais atuais, como os propostos por Nuckols ou Badillo. Ir do geral e pouco replicável ao específico e muito transferível.
O modelo ATR é uma forma de periodizar o treino. Como se faz? Dividindo um macrociclo (grande estrutura) em 3 mesociclos (estruturas médias, A-T-R) e estes por sua vez numa quantidade variável de microciclos (estruturas pequenas):
- Acumulação:
- Trabalho geral.
- Alto volume de trabalho, crescente.
- Intensidade baixa-moderada, estável ou decrescente.
- Transformação:
- Trabalho específico.
- Volume moderado de trabalho, crescente, estável ou decrescente.
- Intensidade média-alta, crescente.
- Realização:
- Movimentos competitivos ou extraordinariamente replicáveis.
- Volume de trabalho baixo, semelhante ao exigido na competição, estável ou decrescente.
- Intensidade alta-muito alta, estável.
Figura VIII. Exemplo de macroestrutura de um modelo ATR.
Caso prático
É possível que agora mesmo estejas um poco admirado; é muita informação, e isto sem entrar em detalhes.
Pensa que os Licenciados em Ciências da Atividade Física e do Desporto estudam 4 anos para poder aprender, compreender, relacionar e aplicar estes conceitos, relacionando conhecimento e empírica. Não te frustres, é um processo que requer tempo!
Figura IX.
Para poder dar-te uma visão mais simples deste fenómeno, vou colocar-te um caso prático. Não há um modelo fechado, nem está individualizado, pelo que a ti, enquanto jogador, pode funcionar bem ou lesionar-te à terceira semana… Permite-me um conselho: deves adaptá-lo ao teu nível e às tuas necessidades.
O que te vai servir é fixar-se na sequência do modelo de treino para entender a lógica do sistema de desenvolvimento e poder adaptá-lo. Comecemos.
Perguntas que deves fazer em todos os casos…
Todas as respostas são hipotéticas, partindo de um compromisso máximo, uma disponibilidade habitual de material e um tempo limitado pelas necessidades de gerir a preparação do resto da equipa.
a. Como vamos valorizar o ponto em que nos encontramos?
Teste de Bosco + Análise de MyJump 2.
b. Qual é o nosso objetivo?
Ganho de 2cm de CMJ.
c. Com quanto tempo contamos para o alcançar?
24 semanas.
d. É uma meta realista? (se não o é, volta ao ponto b)
Sim.
e. Em que momento da temporada nos encontramos?
Pré-temporada.
f. Qual é o nível de desenvolvimento de força do atleta? Treinámos força previamente com ele? Tens adquiridos padrões motores básicos que te permitam fazer um agachamento de forma segura?
Médio. Sim. Sim.
g. Como vamos estruturar a planificação?
2 blocos (macrociclos).
- Macrociclo 1 – 10 semanas
- Mesociclo 1 – Acumulação -> 6 semanas
- Segunda semana – Transformação -> 3 semanas
- Mesociclo 3 – Realização -> 1 semana (re-test)
- Macrociclo 2 – 14 semanas
- Mesociclo 1 – Acumulação -> 4 semanas
- Segunda semana – Transformação -> 7 semanas.
- Mesociclo 3 – Realização -> 3 semanas (peaking y post-test)
(Isto seria tremendamente configurável em função do tempo disponível, objetivos, momento da temporada, desenvolvimento de outras capacidades em paralelo, ponto de partida do jogador…)
h. Que exercícios vou utilizar com o meu jogador em cada etapa?
- Mesociclos de acumulação: Extensão de quadriceps, prensa de pernas, quedas nórdicas, curl femoral, box squat (120º de flexão de joelhos), ATG agachamento frontal, passadas, peso morto romeno, peso morto sumo…
- De transformação: Box squat touch’n’go 90º de flexão, hang power clean, double dumbbell Split snatch, Split snatch, box steps sobre-carregados, box jumps, multi-saltos, Drop-jumps…
- Mesociclos de realização: CMJ, SJ (monopodal e bipodal).
(Este deve ser adaptado ao jogador e às suas necessidades particulares depois de uma avaliação pormenorizada das limitações estruturais e funcionais).
i. Como vou configurar as variáveis de treino?
Através de uma periodização ondulada por blocos com um método incremental cada 4 sessões de treino e 3 de descanso (microciclo).
j. Como vou controlar a carga de treino dos meus jogadores?
- Através da utilização de um encoder linear com uma fadiga permitida de 10% intra-série, e 18% inter-séries em exercícios de fácil medição.
- Com o uso de autorregulação em exercícios em máquinas guiadas.
- Através do controlo de biometrias matinais; principalmente: HRV, FC, Temperatura basal e Escala VAS de perceção de descanso noturno.
Exemplo prático
Notas:
Cada número romano é um microciclo, equivalente a uma semana natural.
Os exercícios da preparação geral dividem-se em:
- Gen A: Os mais simples e de menor exigência coordenadora (extensão de quadriceps, curl femoral, box squat…)
- Gen B: Os mais complexos e de maior exigência coordenadora (front squat ATG, peso morto romeno, quedas nórdicas…)
Os exercícios da preparação específica dividem-se em:
- Esp A: Os mais simples e de menor complexidade técnica (box squat, box step, box jump, pliometria simples e média, dumbbell split snatch…)
- Esp B: Os mais complexos e de maior complexidade técnica (barbell hang power clean, drop jump, reactive raises, pliometria intensa…)
O volume e a intensidade descrevem duas curvas parcialmente confrontadas (não é possível manter uma intensidade e um volume elevado a médio prazo sem se lesionar ou sofrer um quadro de síndrome de burnout), a frequência está subordinada às necessidades de aumentar o volume e da capacidade de recuperação do atleta.
Figura X. Descrição de uma possível configuração das variáveis do treino em diferentes etapas da preparação competitiva e rendimento expresso.
Notas:
- A representação 3×10@8 significa = Séries x Repetições x Intensidade subjetiva (0-10).
- Os dias de descanso não têm de ser necessariamente de descanso. Podem ser dias de trabalho de outras CFB, de treino técnico, tático, teórico…
- Os exercícios selecionados são baseados na minha preferência e experiência pessoal com desportistas e não têm de ser replicáveis em todos os jogadores.
- Pode utilizar-se um foco mais tradicional, com puras sessões de treino com pesos. No entanto, os jogadores preferem poder aplicar o treino a situações jogadas (como é o caso de sexta-feira).
- As variáveis do treino foram estabelecidas com base num modelo teórico de preparação física fora de temporada, com o objetivo de desenvolver unicamente a potência do salto vertical (+ manutenção ou ligeira melhoria do resto de capacidades físicas básicas), num jogador que vive do basquetebol, mantém hábitos de vida de acordo com o nível que joga, consome uma dieta (pelo menos) isocalórica, consome suplementos alimentares destinados à melhoria da recuperação e da regulação da imunosupressão induzida pelo exercício físico (L-glutamina/L-alanil-glutamina; extrato de cúrcuma, n-acetil cisteína, vitamina C e E, metilsulfonilmetano, creatina monohidrato…) e dorme 7-9 horas com boa qualidade.
1 Medium Instensity Steady State (Trotar, por exemplo)
2 Low Intensity Steady State (Caminhar em subida, por exemplo)
Antes de acabar, clica no play e desfruta de uma sessão de treino de agilidade e força para jogadores de basquetebol. Desfruta!
Referências Bibliográficas
- Bompa, T. O., & Calcina, O. (1994). Theory and methodology of training: the key to athletic performance. Dubuque, Iowa: Kendall/Hunt Pub. Co.
- Ciacci, S., & Bartolomei, S. (2018). The effects of two different explosive strength training programs on vertical jump performance in basketball. The Journal of Sports Medicine and Physical Fitness, 58(10), 1375–1382.
- González Badillo, J. J., & Ribas Serna, J. (2014). Bases de la programación del entrenamiento de fuerza. Barcelona: Inde.
- Issurin, V., Yessis, M., & Concepts., U. A. (2008). Block periodization. Michigan: Ultimate Athlete Concepts.
- Jones, M. T., Jagim, A. R., Haff, G. G., Carr, P. J., Martin, J., & Oliver, J. M. (2016). Greater Strength Drives Difference in Power between Sexes in the Conventional Deadlift Exercise. Sports (Basel, Switzerland), 4(3).
- Lietzke, M. H. (1956). Relation between Weight-Lifting Totals and Body Weight. Science, 124(3220), 486–487.
- Nuckols, G. (2016). Size vs. Strength: How Important is Muscle Growth For Strength Gains? – Stronger by Science. Recuperado de https://www.strongerbyscience.com/size-vs-strength/
- Siff, M. C., & Verkhoshansky, Y. V. (1999). Supertraining: special strength training for sporting excellence: a textbook on the biomechanics and physiology of strength conditioning for all sport. Denver: Supertraining International.
- Tous, J. (2007). Entrenamiento de la fuerza en los deportes colectivos. Máster profesional en alto rendimiento en deportes de equipo. Barcelona.
Força em jogadores de Basquetebol - 100%
Conceitos gerais de treino - 100%
Que perguntas deves fazer - 100%
Exemplos práticos - 100%
100%