Continuamos com o tema do Barefoot e Natural Running ou Corrida Natural, centrando-nos na prevenção de lesões, bem como no processo de transição para uma corrida mais natural.
No artigo anterior abordámos de maneira general o conceito de Corrida Natural, a evolução do ser humano como animal de resistência e as suas diferenças estruturais em relação a outros animais.
Índice
- 1 Recuperando a Propriocepção dos nossos Pés
- 2 E quanto ao Calçado de Running?
- 3 Golpe de calcanhar: um elevado risco de lesão
- 4 Calçado Minimalista VS Calçado com Amortecimento
- 5 Lesões em Corredores
- 6 Risco de Lesão e Corrida Natural
- 7 Transição para a Corrida Natural
- 8 Como realizar a transição para uma Corrida Natural e Calçado Minimalista?
- 9 Benefícios de Correr com Antepé
- 10 Rotina para começar a Corrida Natural
- 11 Conclusões
- 12 Fontes Bibliográficas
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Recuperando a Propriocepção dos nossos Pés
Como disse anteriormente, os pés são uma das principais fontes a nível sensorial do nosso corpo.
São irrigados por uma infinidade de terminações nervosas que proporcionam informação ao resto do corpo e do cérebro para que se possam mover e comportar de acordo com a informação recebida.
Tal como as nossas mãos, os pés podem indicar-nos se a superfície é macia, rugosa, irregular, se o solo é frio ou a superficie é quente, por exemplo.
Numerosos estudos abordam o tema da biomecânica de corrida em função do tipo de calçado usado pelo corredor.
Exemplo esclarecedor
Com luvas de boxe é possível bater com força numa superfície e não sentir dor, quase não há liberdade de movimento das mãos.
Se o golpe não for bem dado, mesmo que não pareça sofrer qualquer dor ou lesão, é provável que este mau gesto conduza a uma lesão ou dor no pulso, cotovelo ou mesmo no ombro.
O que quero dizer com isto? Mesmo que não uses proteção, se o gesto não for bem executado, a absorção de forças de impacto será distribuída a outras partes de forma incorreta.
Isto pode levar a uma fratura, lesão ou doença, por exemplo.
Trabalhar a mobilidade dos pés
O pé, a nível estrutural, constitui um dos eixos fundamentais sobre os quais trabalhar a biomecânica de uma corrida hábil e a sua importância em termos de sentido propiocetivo.
E quanto ao Calçado de Running?
Estamos a subtrair informação valiosa…
O mesmo acontece com o tipo de calçado que usamos e com a nossa forma de caminhar e/ou correr.
Como mencionado no artigo anterior, o calcanhar do pé não é feito para amortecer, contudo a planta do pé com os seus tecidos, fáscia e músculos funciona como um trampolim.
Golpe de calcanhar: um elevado risco de lesão
O mais comum entre os corredores populares é uma forma de corrida em que o primeiro contacto com o solo é feito pelo calcanhar.
No entanto, uma biomecânica natural e hábil, leva o corpo humano a correr com uma entrada a meio pé, uma leve pronação e uma fase em que o dedo grande do pé é o o último a estar em contacto com o solo.
Assim, os estudos concluem que correr com o calcanhar não é a coisa mais natural a fazer e é um fator de risco de possíveis lesões.
Em contacto com o solo, este impacto e as forças de frear, gravidade, em vez de serem distribuídas ao longo de um eixo imaginário: tornozelo, anca, centro de massa e ponto nucal, são na sua maioria recebidos pela articulação do joelho;
Calçado Minimalista VS Calçado com Amortecimento
Um dos estudos realizados por Lieberman e colaboradores foi o de medir o efeito de um calçado minimalista (Sapatilhas Merrell e New Balance Minimus), versus sapatilhas convencionais com amortecimento.
Entre as diversas conclusões do mesmo, os autores confirmam que, o uso de um calçado minimalista tinha modificado a cinemática da corrida nos corredores do estudo que utilizavam sapatilhas minimalistas (a amostra do estudo consistia em 33 corredores populares).
Assim, questionam o calçado convencional com amortecimento com o argumento de que não melhora significativamente a musculatura intrínseca do pé, bem como que favorece uma corrida de entrada do calcanhar, aumentando assim as forças de impacto, e uma possível causa de lesões nos membros inferiores.
Entrada de Calcanhar VS Meio Pé
A este respeito, encontramos outro estudo sobre a atividade muscular e cinemática do padrão de corrida de corredores que entram com o calcanhar (heel strike) contra corredores que entram com o meio do pé (forefoot strike) e a alteração do padrão de movimento e pré-ativação da musculatura gastrocnémica e da dorsiflexão do tornozelo ao correr descalço e ao correr com sapatos de corrida convencionais.
Metade dos corredores deste estudo mostrou diferenças no seu padrão de movimento e ativação muscular ao correr descalços e ao correr com sapatos com amortecimento.
Por um lado, pode-se ver como os corredores, quando descalços, minimizam o comprimento da passada e aumentam a cadência de corrida, que é muito semelhante entre eles.
Lesões em Corredores
O número de lesões está a crescer exponencialmente e muitos fatores contribuem para isso:
- Por falta de preparação prévia e condicionamento físico,
- Falta de descanso e nutrição inadequada,
- Excesso de volume de treino (lesões por treino excessivo),
- Padrões de movimento e posturais incorretos,
- Tipo de calçado, entre outros.
Risco de Lesão e Corrida Natural
No estudo conduzido por David Hryvniak e colaboradores, apresentado no Journal of Sport and Health Science em 2014, pelo Centro de Desportos de Resistência da universidade de Virginia, foram tiradas as seguintes conclusões depois de se ter inquirido um total de 509 corredores.
A fim de avaliar o menor risco de lesões para os corredores que correm descalços em algumas das suas sessões e/ou correm com calçado minimalista; bem como os fatores relacionados com o desempenho e as lesões neste tipo de corredores.
Metade deles vêem estas sessões como mais uma ferramenta para melhorar aspetos específicos da corrida.
Sem lesões após correr descalços
Um dos dados mais reveladores é que 68% das pessoas que participaram no estudo não sofreram novas lesões após terem começado a correr descalços.
Na realidade, a maioria dos inquiridos (69%) respondeu que as suas lesões anteriores desapareceram depois de começar a correr descalços.
Os corredores responderam que as suas lesões anteriores no joelho (46%), pé (19%), tornozelo (17%), anca (14%), e lombares (14%), todas melhoraram após terem começado a correr descalços.
Conclusão
Este documento informa do resultado de um inquérito a 509 corredores. Os resultados sugerem que uma grande percentagem desta amostra de corredores beneficiou ou não sofreu danos graves ao mudar para correr descalços ou com calçado mínimo.
Embora eu possa confirmar que a grande maioria dos corredores populares que tratei e cuja técnica de corrida foi analisada, experimentam grandes melhorias na sua economia de corrida e uma redução do desconforto e das lesões. Temos de parar e debruçar-nos sobre o PROCESSO.
Transição para a Corrida Natural
Há alguns anos atrás, coincidindo com o surgimento destes estudos sobre as vantagens de Correr Descalço e/ou com calçado minimalista, todas as marcas foram atrás de corredores ansiosos por experimentar estas promissoras mudanças.
A surpresa apareceu alguns meses mais tarde, quando um grande número destes corredores convertidos sofreu lesões, dores que não corresponderam de todo aos resultados prometidos pela indústria do desporto.
É preciso ser progressivos
Embora, de um ponto de vista biomecânico, o padrão de corrida de um corredor que usa calçado moderno amortecido é imediatamente modificado por correr descalço sobre uma passadeira;
A mudança tem de seguir uma progressão lógica e adequada para evitar sobrecargas.
Não só em termos de corrida
Se tens usado calçado moderno, não só para correr mas também para o uso diário, em que o pé tenha sido superprotegido e, por conseguinte, o sistema proprioceptivo esteja prejudicado,, a musculatura intrínseca do pé também será prejudicada e a postura não será adequada.
Como realizar a transição para uma Corrida Natural e Calçado Minimalista?
Preparar a musculatura
Assim:
- Trabalho de mobilidade do tornozelo;
- Trabalho específico da fáscia plantar;
- Alongamentos de sóleos e gastrocnémios;
Devem concentrar-se na primeira parte deste processo que pode durar meses.
Calçado minimalista para o dia a dia
Começaríamos também por prestar atenção a um par de dicas que nos ajudam neste processo de transição de correr com sapatilhas convencionais para outras sapatilhas menos amortecidas, com um drop baixo ou nulo.
O cérebro constrói padrões complexos a partir de padrões simples, por isso uma boa maneira de começar é usar calçado mais minimalista para o dia a dia, para treinar no ginásio, para caminhar, e até andar descalço em casa.
Dando liberdade de movimento ao pé.
A qualidade dos movimentos complexos será tão boa como a qualidade dos movimentos simples; estas são as bases para um modelo de treino bem sucedido baseado no movimento.
Força e Potencialização
Vamos continuar com exercícios básicos que nos ajudarão a melhorar a força e a mobilidade dos nossos pés e tornozelos:
Trabalho descalço de agachamento profundo
Para ganhar mobilidade do tornozelo, aprender a usar toda a planta do pé e o dedo grande no apoio e no impulso e trabalhar no alinhamento da coluna.
Saltos à corda ou saltinhos pequenos e reativos no sítio descalços
A ideia é ir recuperando a elasticidade dos sóleos e dos gémeos, que são frequentemente encurtados após o uso prolongado de calçado com tacão -amortecimento e são as zonas que mais sofrem neste processo de transição.
Saltar descalço implica um passo mais no processo de corrida.
Neste caso, procuramos reatividade e recuperar elasticidade dos sóleos e gémeos que passaram demasiado tempo encurtados com o uso prolongado de calçado com elevado tacão com amortecimento.
Este tipo de trabalho não procura poder ou ação muscular, mas sim o contrário, incorporando também uma cadência e ritmo óptimos..
Porque é que Saltar é um aliado perfeito do corredor?
Saltar implica que haja mais forças no processo e requer habilidade.
Aprender a saltar fará com que desenvolvas mais a força, equilíbrio e flexibilidade adquirida através das mudanças anteriores.
Também vai melhorar a elasticidade dos tendões e outra coisa muito importante que é o ritmo no movimento.
Os tendões funcionam como bandas elásticas.
Quando esticadas, estas “bandas elásticas” tendem a voltar rapidamente a colocar-se no seu sítio aportando energia que de alguma forma pode ser considerada gratuita.
Isto chama-se “ciclo alongamento-encurtamento”.
A forma como corremos afecta este ciclo porque os nossos tendões esticam-se e contraem-se mais eficazmente quando corremos a uma “cadência” específica (passos por minuto).
Benefícios de Correr com Antepé
No estudo publicado no Journal os Sports and Health Science de Ahn e colaboradores, foi concluído que há uma ativação relativa mais forte e prolongada dos flexores plantares nos corredores que entram de antepé (até 11 % mais de que aqueles que entram no calcanhar).
É provável, que aumente a capacidade das estruturas passivas do pé e tornozelo para armazenar energia elástica, e pode também melhorar o desempenho muscular activo ao aumentar o armazenamento de energia de tensão elástica nas pontes cruzadas.
Como foi provado em diferentes estudos, e pode ser observado em corredores de elite de diferentes distâncias, uma cadência óptima que permite tirar partido desta “energia elástica gratuita” ronda os 180 passos por minuto.
Rotina para começar a Corrida Natural
Estes tipos de exercícios prévios são altamente recomendados para ir incorporando estes padrões e ritmos.
Começar por incorporar um par de minutos de corrida descalço após uma sessão de corrida, na relva por exemplo.
Ao longo do tempo, ou aumentar ligeiramente os minutos ou fazer o aquecimento de corrida com calçado minimalista e passar para o calçado habitual.
Conclusões
A musculatura global não está preparada e produzem-se sobrecargas levando a desconforto, lesões e abandono do processo.
- Começa a incorporar caminhar descalço em situações diárias quotidianas;
- Realizar parte do teu treino de ginásio descalço ou com calçado minimalista;
- Ir introduzindo muito pouco a pouco a corrida.
Tem em conta que este processo costuma demorar meses, ou até mesmo anos.
Fontes Bibliográficas
- Ahn A.N., Brayton C., Bhatia T., Martin P. Muscle activity and kinematics of forefoot and rear foot strike runners. (2014). Journal of Sport and Health Science. 102-112.
- Bramble, Dm y Lierberman, DE (2004) Endurace Runnig and the Evolution of the genus Homo.
- Bramble DM, Lieberman DE (2004) Endurance running and the evolution of Homo. Nature.
- Daniels J. (2005) Daniels’ running formula. Human kinetics.
- Horak F.B. (2006). Postural orientation and equilibrium: what do we need to know about neural control of balance to prevent falls? Age and Ageing.
- Hryvniak D., Dicharry J., Wilder R. Barefoot running survey: Evidence from the field (2014). Journal of Sport and Health Science 131-135.
- Romanov, N and Fletcher, G (2007). Runners do not push off the ground but fall forwards via a gravitational torque. Sports Biomechanics.
- Lieberman et al (2011). Foot strike patters and collision forces in habitually barefoot versus shod runners. Nature 463: 531-536.
- Miller Elizabeth, Lieberman Daniel et al (2014). The effect of minimal shoes on arch structure and intrinsic foot muscle strength. Journal of Sport and Health Science, volumen 3 , 74-85.
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