A aveia tem glúten?

A aveia tem glúten?

A aveia tem glúten? Lembrando que quase todo o mundo sabe que a principal pauta nutricional para um celíaco é evitar alimentos e produtos que contenham glúten, parece uma pergunta que deveria ser simples de responder.

Pode parecer uma situação absurda. Com a avançada que está a ciência dos alimentos já deveríamos ter claro se a aveia tem glúten ou não, e por tanto, saber responder facilmente. Mas na verdade é que existe bastante debate ou falta de consenso nesse aspeto.

Esta situação leva-nos a buscar as respostas a uma pergunta:

O que é o glúten?

A definição de glúten é algo complexa. A grandes rasgos refere-se a certos grupos de proteínas que estão presentes nos cereais.

Concretamente engloba a dois grupos de proteínas diferentes: prolaminas e glutelinas, que são as frações que se relacionam com o efeito tóxico em sujeitos suscetíveis.

As prolaminas e glutelinas podem-se classificar em função de sua origem, de maneira que recebem os seguintes nomes em função do cereal de procedência:

CerealPROLAMINASGLUTELINAS
Trigo*GliadinasGluteninas
Centeio*SecalinasSecalinas/Secalininas
Cevada*HordeínasHordeínas/Hordeninas
AveiaAveninaAvenalina

*Tribu (“subespecie”) Triticeae.

O arroz e o milho, que são considerados cereais considerados “sem glúten”, também contem estas frações: zeina e zeanina (milho) e orizina e oricenina (arroz). Porém, sabemos que estes dois podem ser consumidos sem gerar incómodo em pacientes celiacos.

No lado oposto ao trigo, a cevada e o centeio (Triticae) não podem sem consumidas por indivíduos sensíveis ao glúten, já que suas proteínas contém domínios (estruturas) que geram os conhecidos efeitos adversos.

Tabla Arbol Filogénico Avena Sin Gluten

Árbol filogénico extraído de Ji et al., (2013). Genetic transformation of major cereal groups.


A aveiaa perternce a uma tribu diferente, Aveneae. Se comparamos a “fração de glúten” (prolaminas) da aveia com a dos cereais não aptos para celíacos encontramos algumas frequências:

As prolaminas (aveninas) suporem apenas um 5 – 15% do total proteico da aveia, em comparação com o 80% presente no trigo,ou o 30 – 50% da cevada e um centeio.

Não obstante, a diferença mais importante não parece ter um tanto que ver com as quantidades, se não com a composição. As quantidades de prolina (um dos aminoácidos constituintes destas proteínas) nos grãos não tolerados, é de quase o dobro que a veia. Isto cria estruturas resistentes as enzimas digestivas que fazem que determinadas sequências cheguem intactas ao intestino e podem exercer um efeito tóxico..

Composición Aminoácidos en cereales

Também, existem diferenças estruturais em quanto a disposição dos aminoácidos, longitude das cadeias e pesos moleculares entre as diferentes espécies. De fato, existe uma sequência de aminoácidos concreta (Glitamina – Glutamina-Glutamina-Prolina-Fenilanina-Prolina) que encontra-se em trigo, cevada e centeio, mas não na aveia, e que relacionou-se expressamente com a toxicidade.

*Nota: O termo “glúten” se usou em principio só para o caso da sproteínas do trigo (gliadina e gluteninas), mas como os incómodos também se ocasionam ao ingerir outros cereais terminou-se estendendo ao conjunto de proteínas “ativas” que desencadeavam a reação. É por isto que, conforme esta definição, a aveia entraria no saco de “cereais com glúten”.

Agora bem, tudo isto leva a outra questão. Se deixamos claro que existem diferenças estructurais, moleculares e em quanto as quantidades de glúten presentes no diferentes tipos de cereais:

O “glúten” da aveia, gera as mesmas reações adversas em celíacos que o glúten do trigo, cevada e centeio?

Esta questão lembra um pouco o caso das gorduras, quando faz uns anos metiam-se todas dentro da mesma gaveta, sem ter em conta as estruturas químicas, a origem das mesmas ou a quantidade na que fossem aportadas; se um alimento tinha gordura, era ruim.

Algo similar parece acontecer aveia e o glúten.

Em primeiro lugar gostaria lembrar que o milho e o arroz, ao igual que o mijo ou o sogro (todos aqueles bem aceitados pelos celíacos) também contém essas “proteínas nocivas” que são as prolaminas e as gluteninas, porém sabemos que não provocam reação. Mas, por quê?

Como podemos observar na árvore filogenético exposto anteriormente, os cereais aptos para celíacas estão longe do grupo Triticae, o que supõe variações genéticas importantes que fazem que suas propriedades não sejam “reativas” para os celíacos. Assim que a pesar de ser prolaminas e glutelinas, não se consideram “glúten”.

Consumo de aveia dentro de uma dieta sem glúten: evidência científica

Em um estudo publicado no ano passado (Aaltonen et al., 2017), analisaram a través de uma serie de questionários, analíticas de sangue e provas histológicas, os efeitos a longo prazo de seguir uma dieta sem glúten com ou sem aveia. Para isto estudaram uma povoação (n=869) que havia sido diagnosticada de celiaquia, dos quais 82% consumiu aveia como parte de sua dieta sem glúten durante os últimos 10 anos.

Ao compaar os grupos (consumidores você não consumidores de aveia), não se apreciaram diferenças em quanto a sintamatología ou complicações, nem com respeito a qualidade de vida. Mesmo assim, os autores observaram que o consumo de aveia não repercute na recuperação dos folículos intestinais, as quais ficam danificadas pelos efeitos do glúten em pacientes celíacos.

Estes resultados não são um fato pontual, estudos anteriores em várias revisões (Fric et al., 2011; Thies et al., 2014), demonstraram que o consumo de até 100g diários de aveia em pacientes celíacos não alternam a mucosa intestinal, nem estimulavam a libertação de anti-corpos ou células do sistema imune.

Uma meta-análise (Pinto-Sánchez et al., 2017) recolheu estudos realizados até janeiro de 2017 nos que comparavam os efeitos de adição, ou não, de aveia as dietas livres de glúten. Se evaluaram os sintomas gastro-intestinais, os níveis de anti-corpos, melhoras a nível de tecido intestinal e marcadores serológicos.

Bolachas sem glúten

Os autores concluíram que a introdução de aveia “não contamina” é bem tolerada para a maioria dos pacientes celíacos, mas também fazem referência à necessidade de estudos com amostras de maior tamanho e com maior controle da procedência da aveia.

Esta conclusão, corresponde também com o posicionamento dos espertos canadienses, com respeito ao consumo de aveia e doença celíaca (La Vieille et al., 2016).

A pesar dos resultados destes estudos e revisões, existem alguns casos de pessoas que sim manifestam sintomatologia a raiz do consumo de aveia, o que mostra que existem indivíduos hipersensível e que não toleram a introdução da aveia nas suas dietas. Um dos motivos pode ser que a aveia contém duas sequências de aminoácidos, que não são reconhecidos pelo sistema imunitário de alguns pacientes (hipersensível) (Glilissen et al., 2016).

Contaminação cruzada

Quando falamos de aveia “não contaminada” falando daquela que não contém vestígios de cereais (e por tanto, de glúten) que sabemos que não são aptos para celiacos.

O problema é que em muitas ocasiões é difícil evitar esta contaminação, já que a aveia pode ser processada em instalações nas que também tratem trigo, centeio e/ou cevada. Incluso esta contaminação pode ter sua origem no próprio campo de cultivo ou durante o transporte (Thies et al., 2014).

Desta forma, deveriam-se evitar contaminações que elevem a quantidade de glúten por cima das 20 ppm (partes por milhares), que é o estandar internacional para considerar um produto como “livre de glúten” (Gilissen et al., 2016).

Conclussão

A aveia contém uma fração proteica similar a de trigo, a cevada e a de centeio, que são os cereais não aptos para celíacos. Isto fez que tradicionalmente se classifique dentro dos “cereais com glúten”. Porém, existem importantes diferentes estruturais e de composição entre o glúten do trigo/cevada/centeio e o “glúten” da aveia, que fazem que tenha comportamentos muito diferentes.

Numerosos estudos puseram de manifesto que o consumo de aveia “não contaminada”, associada a uma dieta isenta de glúten, não produzem danos adversos na maioria de pacientes celíacos. Desta forma, seu consumo pode considerar seguro. Não obstante é preciso provar a tolerância da pessoa, já que sabe-se que existem pacientes hiper-sensíveis nos que a proteína de aveia, exerce um efeito similar ao glúten de trigo, a cevada e o centeio.

É muito importante ver a possível contaminação cruzada a través de sistema de efetivos de trasabilidade, para, além de com analise, assegurar que a proporção de glúten da aveia seja a menor a 20 ppm ou mg/kg.

Só desta forma poderíamos dizer que, a maioria dos celíacos, não haveria problema em introduzir quantidades que podem alcançar incluso os 100g de aveia ao dia.

Países como Finlândia ou Canadá, aprovam oficialmente o consumo de aveia não contaminada como parte de uma dieta sem glúten.

Pão sem glúten

Respondendo a pergunta do início: Sou celíaco, posso consumir glúten?

Sempre que a aveia seja não contaminada com cereais não aptos, com alta probabilidade, podes consumir sem problema.

No caso de introduzir, o mais recomendável é fazer uma vez que esteja 100% recuperado dos danos produzidos por uma ingestão de glúten, e ir introduzindo pouco a pouco para provar a intolerância a mesma. Como falamos, existem sujeitos que sim são suscetíveis.

Não recomendaria passar de 100mg/dia, já que a quantidade máxima que provou-se a longo prazo nos estudos.

Bibliografia

  • Arendt & Dal Bello (2009). The Science of Gluten-Free Foods and Beverages.
  • La Vieille et al., (2016). Celiac disease and gluten-free oats: a Canadian position based on a literature review.
  • Fric et al., (2011). Celiac disease, gluten-free diet, and oats.
  • Gilissen et al., (2016). Why oats are safe and healthy for celiac disease patients.
  • Aaltonen et al., (2017). The long-term consumption of oats in celiac disease patients is safe: a large cross-sectional study.
  • Thies et al., (2014). Oats and bowel disease: a systematic literature review.
  • Ji et al., (2013). Genetic transformation of major cereal crops.
  • Pinto-Sánchez et al., (2017). Safety of adding oats to a gluten-free diet for patients with celiac disease: systematic review and meta-analysis of clinical and observational studies.

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