Vamos analisar qual é o intervalo de repetições para a hipertrofia a partir da carga e da ativação das vias de sinalização correspondentes
No mês de Dezembro de 2017, publiquei um artigo neste blog intitulado Treino Híbrido: Consegue Uma Maior Hipertrofia Muscular.
No referido artigo explicava, em traços gerais, as diferenças que pode apresentar um treino de força orientado para a melhoria das marcas de força máxima (1RM) e orientado para o desenvolvimento da hipertrofia músculo-esquelética.
Aí referi, sem entrar em grandes detalhes, o papel da tensão mecânica e o stress metabólico sobre a sinalização que pode gerar hipertrofia, e concluía que combinar diferentes regimes de treino com altas e baixas cargas intra- ou inter-sessão possivelmente fosse o foco mais importante para desenvolver a hipertrofia.
Hoje vou explicar, ao nível biomolecular, por que razão isto acontece. Não me vou repetir em conceitos básicos, pois já antes foram tratados. Recomendo, assim, como leitura de base o artigo supra mencionado.
Sem outras considerações, vamos a isto!
Índice
Hipertrofia Contínua
Sabemos que o elemento transversal do treino orientado para o aumento da hipertrofia muscular é a intensidade
Esta não deve ser confundida com a carga externa, mas sim com um regime de esforço interno (dá uma vista de olhos a como medir o esforço para melhor o compreender).
Tendo isto em consideração, já pusemos de lado as clássicas tabelas de regimes de repetições estanque, onde:
- 1-5 repetições são usadas para melhorar a força,
- 6-12 para a hipertrofia, e
- +15 para a força-resistência.
Uma vez que, com a aproximação ao falho muscular vamos alcançar as mesmas repetições eficazes em ambos os casos, que é o momento onde a grande maioria das unidades motoras presentes na musculatura estimulada são chamadas a intervir.
Modelo do continuum hypertrphy (Schoenfeld, 2018)
Alterações na área da secção transversal (mm) pré-pós intervenção no grupo submetido a baixas e altas cargas (Schoenfeld, Peterson, Ogborn, Contreras & Sonmez, 2015)
É importante o intervalo de repetições?
Apesar de que um intervalo moderado, como o clássico 8-12, seja o mais eficaz em relação benefício:tempo investido, toda a grelha de repetições gera uma hipertrofia semelhante.
Até há pouco tempo não sabíamos exatamente as vias através das quais isto sucedia, nem sequer se realmente era absolutamente irrelevante o intervalo de repetições ou as re repetições efetivas e o ratio de esforço.
Estudo
Lysenko, Popov, Vepkhadze, Sharova e Vinogradova (2019) publicaram um estudo esclarecendo as respostas na sinalização autocrina e endocrina que geram diferentes cargas (altas e moderadas) em indivíduos treinados.
No estudo, um total de 8 pessoas treinadas desenvolveram 4 séries de press de pernas unilateral (prensa) ao máximo esforço volitivo usando uma carga moderada (65%) e alta (85% 1RM) para a perna contralateral. O estudo mostrou um aumento da síntese proteica muscular semelhante em ambos os grupos.
Sabemos que a síntese proteica aguda é um indicador fiável, apesar de não ser absoluto, do aumento da área da secção transversal a longo prazo (Mitchell et al. 2015); mas como o estudo foi desenvolvido numa única sessão não puderam controlar as alterações estruturais que geram ambos os protocolos sobre os indivíduos.
É importante comprovar que o volume de trabalho do grupo de carga moderada é 32% superior que o grupo de carga alta.
Resultados
Algo que nos parece indicar que, já que a resposta de síntese proteica é semelhante em ambos os grupos, o volume absoluto de trabalho, inclusive a tonelagem (carga*repetições) é um fator pouco relevante, já que o volume é igual quando o ratio de esforço é máximo em ambos os grupos.
Volume de trabalho no grupo de carga modelada (L) e carga alta (H). (Lysenko, 2019)
Carga e ativação das vias de sinalização
Deixo agora uma pequena imagem para que possam seguir a explicação das vias de sinalização que ativa cada procedimento de cargas:
Mecanismos de sinalização que medem o crescimento e a proliferação celular
As biópsias mostraram que as cargas moderadas ativaram significativamente mais o caminho mTORC1, presumivelmente por um mecanismo dependente do elevado volume de trabalho, as cargas moderadas aumentaram a fosforilação de P70S6K, um substrato (rio) por baixo da consequente ativação da via AKT/mTORC1 que regula a síntese de ribossomas (fábricas de proteínas), no miócito (célula muscular).
Pelo que a sua ativação, junta a um bloqueio da fosforilação de 4E-BP1, via aumento da expressão da sub-unidade RAPTOR de mTORC1, que por seu lado através das cargas moderadas fosforila treonina46, suficiente para se unir levemente a elF4E, evitando a união significativa de eIF4E:4E-BP1, fazendo com que não interfira com a sua atividade que regula positivamente o crescimento celular.
Influência da ativação de sub-unidades de Mtorc1 sobre a síntese proteica
Mecanismos de regulação da tradução proteica ribossomal mediados por P70S6K e eIF4E
As altas cargas de fosforilação eEF2, um fator de translação e alongamento chave nos processos de síntese proteica durante a tradução genética (transladando o ARNm para o ribossoma e na formação de polipéptidos por ARNt)
Aumento da translação (e tradução) genética mediada pela defosforilação de eEF2 via ativação de mTORC1
Além disso, as altas cargas ativaram a cascata de sinalização dependente de MEK-ERK1/2 que inibe o complexo proteico TSC1/2 que por seu lado é um inibidor da proteína Rheb, cuja ativação cataliza a união a mTORC1, ativando-o e consequentemente, toda a cascata de reações que estimula a síntese proteica e a proliferação celular.
Aumento da síntese proteica através de mecanismos indiretos dependentes da ativação da cascata de sinalização MEK-ERK
A ativação da cascata de sinalização MEK-ERK, aumenta a atividade da eIF4E (via Mnk1) e da eEF2 (via p90RSK) indiretamente, cujas funções foram descritas anteriormente e podem ser observadas na imagem anterior.
Existem outros mecanismos que os autores assinalam como potenciais estimulantes da síntese proteica muscular, como é o caso da defosforilação de FoxO1, que induz um aumento da síntese proteica mediado por uma diminuição da ativação de 4EBP1, permitindo uma maior fosforilação de eIF4E que estimula a síntese proteica ou a diminuição da atividade de Atrogin-1, uma enzima ligada E3 de ubiquitina, mediador da via da ubiquitina proteassoma; que favorece a proteólise.
Resumo e para levar para casa
Não quero concluir sem antes fazer uma observação no que diz respeito à quantidade de mecanismos mencionados que regulam positivamente a oncogénese e a proliferação de células tumorais, pelo que a segurança de estimular estas vias é, pelo menos, duvidosa.
Regulação do turnover proteico. Especial ênfase para a atividade de FoxO como ativador de 4EBP1 e Atrogin-1 e a sua atividade proteolítica.
Se treino 15 repetições com 100kg vão “dar” a mesma hipertrofia que 8 repetições com 120
E isto é por causa da ativação de diferentes vias, uma dependente de mTORC1 e outra de MEK-ERK 1/2
Conclusões
- Treina como mais gostares porque o resultado é muito semelhante
- O volume de treino (medido em tonelagem) parece ser um aspeto completamente secundário frente à intensidade normalizada ao máximo esforço volitivo
- Quanto mais avançado, mais deves utilizar ambos os intervalos para aproveitar ambas as vias
Fontes Bibliográficas
- Mitchell, C. J., Churchward-Venne, T. A., Cameron-Smith, D., & Phillips, S. M. (2015). What is the relationship between the acute muscle protein synthesis response and changes in muscle mass? Journal of Applied Physiology (Bethesda, Md. : 1985), 118(4), 495–497.
- Lysenko, E. A., Popov, D. V, Vepkhvadze, T. F., Sharova, A. P., & Vinogradova, O. L. (2019). Signaling responses to high and moderate load strength exercise in trained muscle. Physiological Reports, 7(9), e14100.
- Schoenfeld, B. J., Peterson, M. D., Ogborn, D., Contreras, B., & Sonmez, G. T. (2015). Effects of Low- vs. High-Load Resistance Training on Muscle Strength and Hypertrophy in Well-Trained Men. Journal of Strength and Conditioning Research, 29(10), 2954–2963.
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