Nutrição para Atletas Fitness: Recuperação Pós Competição

Nutrição para Atletas Fitness: Recuperação Pós Competição

Recuperação Pós-Competição

O que é o período pós-competição

O período pós-competição é a etapa da preparação desportiva de um atleta fitness onde o objetivo é reverter as adaptações negativas que ocorreram na etapa do on-season (preparação da competição).

Muitos atletas esquecem-se de que as semanas/meses seguintes à competição também constituem uma etapa de preparação.

Como não o têm em conta, relaxam, e cometem uma grande quantidade de erros que depois é preciso corrigir, investindo tempo que deveria ser orientado para continuar a progredir.

Caraterísticas de uma etapa de recuperação

A etapa de recuperação geralmente começa no mesmo momento em que termina o nosso calendário de competição, ou seja, depois de terminar a última competição que tínhamos programada.

A partir daí, este período prolonga-se tanto quando o necessário para reverter até ao ponto que cada atleta considere necessário (o ideal será, uma reversão total) os efeitos negativos ao nível endócrino-metabólico que ocorrem, devido ao facto de se alcançar uma percentagem de gordura corporal tão baixa.

Geralmente esta etapa deve durar entre 2 a 3 meses, por vezes prolonga-se até aos 6 meses, e em alguns casos, poucos, pode durar mais de um ano.

O atleta, ou a atleta, deverá renunciar às competições da temporada seguinte caso não pretenda causar um impacto potencialmente irreversível na sua saúde.

Como começar

Aos poucos.

Este é o melhor conselho que vos posso dar, até pelo simples facto de que a etapa de recuperação tem uma componente psicológica muito intensa.

Quando perguntamos a um grupo de culturistas (homens e mulheres) como abordavam nutricionalmente a sua pós-competição, responderam que:

  • Ben: “Entras em modo frenesim”.
  • Kyle: “Não é tanto a fome, é a gula. É mais porque quero comer piza pois não a como há meses”.
  • Will: “Comemos tudo o que não pudemos comer durante todo o ano”. (Mitchell et al., 2017).

Este é o problema das restrições alimentares que vos referi no artigo sobre a preparação on-season (preparação da competição).

Uma dieta à base de arroz e frango leva a que, segundo ensaios, metade (46 %) dos atletas realizaram consumo compulsivo de alimentos.

Este é um TCA (Distúrbio de Comportamento Alimentar) com um nome: Distúrbio por compulsão. E é perigoso para a saúde física e mental do atleta.

É inevitável que no final do período de pré-competição seja necessário restringir a variedade de alimentos, mas há que tentar mantê-lo a um nível tão elevado e variado quanto possível, e o máximo de tempo possível.

O que é que acontece quando fazemos uma recuperação do estilo “buraco negro”

Isto:

Stephanie buttermore

Figura I. Mudança física de Stephanie Buttermore antes e depois do seu período de recuperação do peso corporal.

Stephanie Buttermore, a companheira de Jeff Nippard (que utilizei como exemplo no artigo da on-season (preparação da competição) enfrentou durante anos a ansiedade e distúrbios alimentares por manter um determinado ponto físico insustentável a longo prazo, até decidir utilizar um protocolo do estilo “intuitive eating”, onde comia simplesmente até se sentir saciada. Num ano ganhou mais de 15 kg.

Podes seguir todo o processo no canal do Youtube.

Deves ter uma coisa em linha de conta, que no período de recuperação VAIS GANHAR PESO E GORDURA, LAMENTO.

De facto, este é o único mecanismo através do qual podes regressar (com sorte) ao teu estado anterior ao período de preparação para a competição.

No entanto, não planificar nada e entrar no modo “buraco negro”, embora possa cumprir o objetivo de recuperar o equilíbrio metabólico, vai fazer com que se acumule uma quantidade de gordura corporal absolutamente desnecessária, que evidentemente depois vamos ter de perder.

Off Season

Figura II. Culturista no período off-season (pós competição), muito fora de forma para competição (também pode ser um strongman, não tenho a certeza).

Encontramos ganhos de peso apresentados na literatura de até 8 kg em 3 semanas, com o consequente aumento da volémia, tensão arterial e o aumento do risco de desenvolver algum tipo de dano orgânico.

Já para não falar que em modelos animais ficou demonstrada a ocorrência de hiperplasia adipocitária (Jackman et al., 2008), e foi defendido que em humanos possa acontecer o mesmo, fazendo com que tenhamos mais sítios para armazenar futuros triglicéridos acumulados.

Modelo

Figura III. Modelo sugerido de progresso na perda e ganho de massa magra durante e após um período de restrição energética.

Não é má ideia ser mais flexível (mais ainda do que em outros períodos de preparação) durante esta etapa.

Mas isto não serve de desculpa para começar a comer até rebentar, e não ter em linha de conta os princípios que regem a maioria das alterações na composição corporal, a teoria CICO (Calorias IN – Calorias OUT).

O que é que acontece quando fazemos uma recuperação bem planificada

Então aqui fica, vamos ganhar peso corporal.

No início, de facto, o organismo, numa tentativa de recuperar um estado físico evolutivamente estável, vai começar a acumular gordura com maior facilidade ante um excesso de calorias ingeridas:

Gráfico 1

Figura IV. Mudanças antropométricas de um culturista natural logo após uma competição (0) e após 1, 2, 3 ou 4 meses. Peso corporal, massa magra e % de gordura. Podemos ver a forma como a massa gorda aumenta enquanto a massa magra se mantém ou diminui ligeiramente.

E é importante ter em conta que o gráfico deste caso em concreto não é nada absurdo, apesar de ter ganho 10 % de gordura corporal em 4 meses.

Evolução

Figura V. Evolução desde 26 semanas antes até 28 semanas depois da competição do consumo energético (linha descontínua), peso corporal (linha contínua) e gasto de energia (ponteado).

O consumo energético aumentou significativamente após a competição e alcançou um pico perto das 4 semanas pós-competição, depois subiu novamente até às 7 semanas, e a partir daí foi baixando lentamente.

Neste caso, o atleta recuperou os valores normais de testosterona, grelina, insulina, cortisol e hormonas tiróideas às 3 semanas.

A leptina não foi regulada durante os 6 meses pós-competição, inclusive tendo recuperado praticamente todo o peso perdido da preparação e inclusivamente mais massa gorda.

Pelo que, desconhecemos a realidade quanto ao tempo exato que precisamos para recuperar o equilíbrio de leptina, também desconhecemos se o chegamos a recuperar, uma vez que, neste caso, um culturista com mais de 100 kg, antes de iniciar a preparação, já tinha concentrações de leptina sub ótimas (Rossow et al., 2013).

Gráfico evolução

Figura VI. Evolução de determinados modelos endócrinos desde os 6 meses antes até 6 meses após a competição.

No entanto, todos os seus indicadores de má saúde psicológica (aborrecimento, ansiedade, raiva, depressão, fadiga… Melhoraram no mês em que aumentou o consumo de calorias).

Como é que faço?

Vou diretamente para a parte que querem ler…

Como é que fazemos então:

Não existe, pelo menos não conheço, nenhum ensaio que avalie e determine o protocolo mais eficaz para reverter os efeitos negativos do défice calórico pré-competitivo, mas, como sabemos que existe uma relação direta entre peso corporal recuperado e parâmetros metabólicos, por isso… Toca a recuperar o peso…

Digamos que competimos em 5 % de gordura corporal medida por DEXA (Gold-standard).

Durante as primeiras semanas 2-3 semanas deixaria o praticante de desporto que se autorregulasse:

  • Explicamos que isto não é uma competição de comer e que ninguém o vai impedir de voltar a comer o que quiser, mas deve ter cuidado.
  • Deve aproveitar para comer um gelado com a sua filha num parque, uma piza com pessoas próximas num evento social.
  • Deve reduzir significativamente a carga de treino, mas que não se esqueça de continuar a treinar e manter uma rotina de vida saudável segundo os seus objetivos.
  • Não se deve pesar nem levar o dia inteiro a olhar-se ao espelho (isto é impossível, estou a avisar), pois vai engordar novamente e isso é inevitável (também a eles não lhes entra na cabeça, mas as mulheres apresentam maior resistência a este processo que os homens).

Se o fizerem, dentro de 3 semanas terão retomado até cerca de 8-9 % de gordura corporal. Se não tiverem em conta estas indicações, veremos que:

  • Ou continuam esgotados porque não aumentaram o consumo de calorias, ou estão a ter comportamentos compensatórios (bulimia nervosa, geralmente), perante o qual devem consultar um psicólogo.
  • Ou estão como um barril e ainda continuam a sentir uma ansiedade pela comida terrível, por causa do denominado “hunger rebound”, perante o qual devem consultar um psicólogo.
Com uma percentagem de gordura acima dos 8 %, já podemos voltar a controlar a alimentação e fazer com que durante aproximadamente 5-9 semanas, mediante um ganho de peso de cerca de 0,5 % de peso corporal por semana, se possa chegar a 10-11 % com a sua massa muscular íntegra (inclusive melhor), com as suas energias e perspetivas renovadas, e os seus marcadores biológicos restaurados na medida do possível.

Conselhos específicos

Recomendação de proteínas

Deve-se manter elevado o consumo de proteínas 2-2,5 g/kgFFM/dia durante o período de recuperação, embora nas primeiras semanas prefira que não pesem nada daquilo que comerem, pelo que não me preocuparia demasiado com os hambúrgueres que comam e alcancem o processo normalmente, e assim não teria de lhes explicar que devem tomar 2 batidos de proteínas por dia.

Suplementos

Precisamente neste momento é interessante utilizar 1,5-6 gr de HMB para preservar ao máximo a massa muscular.

Contribuição nutricional

Consome uma grande variedade de frutas e legumes, vão dar-te saciedade e são ótimas para prevenir distúrbios da motilidade gástrica, que podem fazer com que acabes no hospital por obstipação.

Podes utilizar enzimas digestivas (Digezyme 200mg) e Betaína HCl para melhorar a digestão.

A moderar

Modera o consumo de álcool, pois continua a ser um tóxico para o teu organismo e não existe nenhuma razão para o consumir, para além do desfrute pessoal/social, como é o caso de se beber uma cerveja.

Treino

Continua a treinar, reduz significativamente o cárdio, inclusive durante as 2 primeiras semanas podes eliminá-lo; se tiveres um trabalho ativo que te exija realizar atividade com necessidades elevadas cardiorrespiratórias, podes eliminar o cárdio totalmente.

Aborda o futuro

Aproveita este momento para abordar os próximos objetivos desportivos.

Geralmente aqui entras no beast mode e dizes “quero ser powerlifter” ao ver que a tua força voltou. Não te excites e medita sobre isso com frieza.

E por último, aproveita a vida social que a preparação (pode) ter-te tirado.

Cuidem-se!

Fontes Bibliográficas

  1. Andersen, R. E., Barlett, S. J., Morgan, G. D., & Brownell, K. D. (1995). Weight loss, psychological, and nutritional patterns in competitive male body builders. International Journal of Eating Disorders, 18(1), 49–57.
  2. Halliday, T. M., Loenneke, J. P., & Davy, B. M. (2016, November). Dietary Intake, Body Composition, and Menstrual Cycle Changes during Competition Preparation and Recovery in a Drug-Free Figure Competitor: A Case Study. Nutrients, Vol. 8.
  3. Helms, E. R., Prnjak, K., & Linardon, J. (2019). Towards a Sustainable Nutrition Paradigm in Physique Sport: A Narrative Review. Sports, 7(7), 172.
  4. Mitchell, L., Hackett, D., Gifford, J., Estermann, F., & O’Connor, H. (2017). Do Bodybuilders Use Evidence-Based Nutrition Strategies to Manipulate Physique? Sports, 5(4), 76.
  5. Peos, J., Norton, L., Helms, E., Galpin, A., & Fournier, P. (2019). Intermittent Dieting: Theoretical Considerations for the Athlete. Sports, 7, 22.
  6. Roberts, B. M., Helms, E. R., Trexler, E. T., & Fitschen, P. J. (2020). Nutritional Recommendations for Physique Athletes. Journal of Human Kinetics, 71(1), 79–108.
  7. Robinson, S. L., Lambeth-Mansell, A., Gillibrand, G., Smith-Ryan, A., & Bannock, L. (2015). A nutrition and conditioning intervention for natural bodybuilding contest preparation: case study. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 12, 20.
  8. Rossow, L. M., Fukuda, D. H., Fahs, C. A., Loenneke, J. P., & Stout, J. R. (2013). Natural bodybuilding competition preparation and recovery: A 12-month case study. International Journal of Sports Physiology and Performance, 8(5), 582–592.
  9. Trexler, E. T., Hirsch, K. R., Campbell, B. I., & Smith-Ryan, A. E. (2017). Physiological Changes Following Competition in Male and Female Physique Athletes: A Pilot Study. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, 27(5), 458–466.

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Análise da Nutrição para Atletas Fitness: Recuperação

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Sobre Alfredo Valdés
Alfredo Valdés
É especialista em treino de fisiopatologia metabólica e nos efeitos biomoleculares da alimentação e do exercício físico.
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