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Recuperação Pós-Competição
O que é o período pós-competição
O período pós-competição é a etapa da preparação desportiva de um atleta fitness onde o objetivo é reverter as adaptações negativas que ocorreram na etapa do on-season (preparação da competição).
Muitos atletas esquecem-se de que as semanas/meses seguintes à competição também constituem uma etapa de preparação.
Caraterísticas de uma etapa de recuperação
A etapa de recuperação geralmente começa no mesmo momento em que termina o nosso calendário de competição, ou seja, depois de terminar a última competição que tínhamos programada.
A partir daí, este período prolonga-se tanto quando o necessário para reverter até ao ponto que cada atleta considere necessário (o ideal será, uma reversão total) os efeitos negativos ao nível endócrino-metabólico que ocorrem, devido ao facto de se alcançar uma percentagem de gordura corporal tão baixa.
O atleta, ou a atleta, deverá renunciar às competições da temporada seguinte caso não pretenda causar um impacto potencialmente irreversível na sua saúde.
Como começar
Aos poucos.
Este é o melhor conselho que vos posso dar, até pelo simples facto de que a etapa de recuperação tem uma componente psicológica muito intensa.
Quando perguntamos a um grupo de culturistas (homens e mulheres) como abordavam nutricionalmente a sua pós-competição, responderam que:
- Ben: “Entras em modo frenesim”.
- Kyle: “Não é tanto a fome, é a gula. É mais porque quero comer piza pois não a como há meses”.
- Will: “Comemos tudo o que não pudemos comer durante todo o ano”. (Mitchell et al., 2017).
Este é o problema das restrições alimentares que vos referi no artigo sobre a preparação on-season (preparação da competição).
Uma dieta à base de arroz e frango leva a que, segundo ensaios, metade (46 %) dos atletas realizaram consumo compulsivo de alimentos.
É inevitável que no final do período de pré-competição seja necessário restringir a variedade de alimentos, mas há que tentar mantê-lo a um nível tão elevado e variado quanto possível, e o máximo de tempo possível.
O que é que acontece quando fazemos uma recuperação do estilo “buraco negro”
Isto:
Figura I. Mudança física de Stephanie Buttermore antes e depois do seu período de recuperação do peso corporal.
Stephanie Buttermore, a companheira de Jeff Nippard (que utilizei como exemplo no artigo da on-season (preparação da competição) enfrentou durante anos a ansiedade e distúrbios alimentares por manter um determinado ponto físico insustentável a longo prazo, até decidir utilizar um protocolo do estilo “intuitive eating”, onde comia simplesmente até se sentir saciada. Num ano ganhou mais de 15 kg.
Podes seguir todo o processo no canal do Youtube.
De facto, este é o único mecanismo através do qual podes regressar (com sorte) ao teu estado anterior ao período de preparação para a competição.
No entanto, não planificar nada e entrar no modo “buraco negro”, embora possa cumprir o objetivo de recuperar o equilíbrio metabólico, vai fazer com que se acumule uma quantidade de gordura corporal absolutamente desnecessária, que evidentemente depois vamos ter de perder.
Figura II. Culturista no período off-season (pós competição), muito fora de forma para competição (também pode ser um strongman, não tenho a certeza).
Encontramos ganhos de peso apresentados na literatura de até 8 kg em 3 semanas, com o consequente aumento da volémia, tensão arterial e o aumento do risco de desenvolver algum tipo de dano orgânico.
Já para não falar que em modelos animais ficou demonstrada a ocorrência de hiperplasia adipocitária (Jackman et al., 2008), e foi defendido que em humanos possa acontecer o mesmo, fazendo com que tenhamos mais sítios para armazenar futuros triglicéridos acumulados.
Figura III. Modelo sugerido de progresso na perda e ganho de massa magra durante e após um período de restrição energética.
Não é má ideia ser mais flexível (mais ainda do que em outros períodos de preparação) durante esta etapa.
O que é que acontece quando fazemos uma recuperação bem planificada
Então aqui fica, vamos ganhar peso corporal.
No início, de facto, o organismo, numa tentativa de recuperar um estado físico evolutivamente estável, vai começar a acumular gordura com maior facilidade ante um excesso de calorias ingeridas:
Figura IV. Mudanças antropométricas de um culturista natural logo após uma competição (0) e após 1, 2, 3 ou 4 meses. Peso corporal, massa magra e % de gordura. Podemos ver a forma como a massa gorda aumenta enquanto a massa magra se mantém ou diminui ligeiramente.
E é importante ter em conta que o gráfico deste caso em concreto não é nada absurdo, apesar de ter ganho 10 % de gordura corporal em 4 meses.
Figura V. Evolução desde 26 semanas antes até 28 semanas depois da competição do consumo energético (linha descontínua), peso corporal (linha contínua) e gasto de energia (ponteado).
O consumo energético aumentou significativamente após a competição e alcançou um pico perto das 4 semanas pós-competição, depois subiu novamente até às 7 semanas, e a partir daí foi baixando lentamente.
A leptina não foi regulada durante os 6 meses pós-competição, inclusive tendo recuperado praticamente todo o peso perdido da preparação e inclusivamente mais massa gorda.
Pelo que, desconhecemos a realidade quanto ao tempo exato que precisamos para recuperar o equilíbrio de leptina, também desconhecemos se o chegamos a recuperar, uma vez que, neste caso, um culturista com mais de 100 kg, antes de iniciar a preparação, já tinha concentrações de leptina sub ótimas (Rossow et al., 2013).
Figura VI. Evolução de determinados modelos endócrinos desde os 6 meses antes até 6 meses após a competição.
Como é que faço?
Vou diretamente para a parte que querem ler…
Como é que fazemos então:
Não existe, pelo menos não conheço, nenhum ensaio que avalie e determine o protocolo mais eficaz para reverter os efeitos negativos do défice calórico pré-competitivo, mas, como sabemos que existe uma relação direta entre peso corporal recuperado e parâmetros metabólicos, por isso… Toca a recuperar o peso…
Durante as primeiras semanas 2-3 semanas deixaria o praticante de desporto que se autorregulasse:
- Explicamos que isto não é uma competição de comer e que ninguém o vai impedir de voltar a comer o que quiser, mas deve ter cuidado.
- Deve aproveitar para comer um gelado com a sua filha num parque, uma piza com pessoas próximas num evento social.
- Deve reduzir significativamente a carga de treino, mas que não se esqueça de continuar a treinar e manter uma rotina de vida saudável segundo os seus objetivos.
- Não se deve pesar nem levar o dia inteiro a olhar-se ao espelho (isto é impossível, estou a avisar), pois vai engordar novamente e isso é inevitável (também a eles não lhes entra na cabeça, mas as mulheres apresentam maior resistência a este processo que os homens).
Se o fizerem, dentro de 3 semanas terão retomado até cerca de 8-9 % de gordura corporal. Se não tiverem em conta estas indicações, veremos que:
- Ou continuam esgotados porque não aumentaram o consumo de calorias, ou estão a ter comportamentos compensatórios (bulimia nervosa, geralmente), perante o qual devem consultar um psicólogo.
- Ou estão como um barril e ainda continuam a sentir uma ansiedade pela comida terrível, por causa do denominado “hunger rebound”, perante o qual devem consultar um psicólogo.
Conselhos específicos
Recomendação de proteínas
Deve-se manter elevado o consumo de proteínas 2-2,5 g/kgFFM/dia durante o período de recuperação, embora nas primeiras semanas prefira que não pesem nada daquilo que comerem, pelo que não me preocuparia demasiado com os hambúrgueres que comam e alcancem o processo normalmente, e assim não teria de lhes explicar que devem tomar 2 batidos de proteínas por dia.
Suplementos
Precisamente neste momento é interessante utilizar 1,5-6 gr de HMB para preservar ao máximo a massa muscular.
Contribuição nutricional
Consome uma grande variedade de frutas e legumes, vão dar-te saciedade e são ótimas para prevenir distúrbios da motilidade gástrica, que podem fazer com que acabes no hospital por obstipação.
Podes utilizar enzimas digestivas (Digezyme 200mg) e Betaína HCl para melhorar a digestão.
A moderar
Modera o consumo de álcool, pois continua a ser um tóxico para o teu organismo e não existe nenhuma razão para o consumir, para além do desfrute pessoal/social, como é o caso de se beber uma cerveja.
Treino
Continua a treinar, reduz significativamente o cárdio, inclusive durante as 2 primeiras semanas podes eliminá-lo; se tiveres um trabalho ativo que te exija realizar atividade com necessidades elevadas cardiorrespiratórias, podes eliminar o cárdio totalmente.
Aborda o futuro
Aproveita este momento para abordar os próximos objetivos desportivos.
Geralmente aqui entras no beast mode e dizes “quero ser powerlifter” ao ver que a tua força voltou. Não te excites e medita sobre isso com frieza.
Cuidem-se!
Fontes Bibliográficas
- Andersen, R. E., Barlett, S. J., Morgan, G. D., & Brownell, K. D. (1995). Weight loss, psychological, and nutritional patterns in competitive male body builders. International Journal of Eating Disorders, 18(1), 49–57.
- Halliday, T. M., Loenneke, J. P., & Davy, B. M. (2016, November). Dietary Intake, Body Composition, and Menstrual Cycle Changes during Competition Preparation and Recovery in a Drug-Free Figure Competitor: A Case Study. Nutrients, Vol. 8.
- Helms, E. R., Prnjak, K., & Linardon, J. (2019). Towards a Sustainable Nutrition Paradigm in Physique Sport: A Narrative Review. Sports, 7(7), 172.
- Mitchell, L., Hackett, D., Gifford, J., Estermann, F., & O’Connor, H. (2017). Do Bodybuilders Use Evidence-Based Nutrition Strategies to Manipulate Physique? Sports, 5(4), 76.
- Peos, J., Norton, L., Helms, E., Galpin, A., & Fournier, P. (2019). Intermittent Dieting: Theoretical Considerations for the Athlete. Sports, 7, 22.
- Roberts, B. M., Helms, E. R., Trexler, E. T., & Fitschen, P. J. (2020). Nutritional Recommendations for Physique Athletes. Journal of Human Kinetics, 71(1), 79–108.
- Robinson, S. L., Lambeth-Mansell, A., Gillibrand, G., Smith-Ryan, A., & Bannock, L. (2015). A nutrition and conditioning intervention for natural bodybuilding contest preparation: case study. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 12, 20.
- Rossow, L. M., Fukuda, D. H., Fahs, C. A., Loenneke, J. P., & Stout, J. R. (2013). Natural bodybuilding competition preparation and recovery: A 12-month case study. International Journal of Sports Physiology and Performance, 8(5), 582–592.
- Trexler, E. T., Hirsch, K. R., Campbell, B. I., & Smith-Ryan, A. E. (2017). Physiological Changes Following Competition in Male and Female Physique Athletes: A Pilot Study. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, 27(5), 458–466.
Entradas Relacionadas
- Nutrição para Atletas Fitness: Off-Season (Recuperação pós competição) neste link.
- Nutrição para Atletas Fitness: On-Season (Preparação da competição) neste link.
- Nutrição para Atletas Fitness: Afinação neste link.
- Sabes o que é o Intuitive Eating? Vamos contar-te aqui.
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